quarta-feira, 24 de março de 2010

Desafios Brasileiros para a Gestão Ambiental no Século XXI

Ricardo Rettmann
O Brasli está eufórico. Nosso país atravessa grande momento histórico. A democracia já é uma realidade incontestável e Brasília deu, nos últimos meses, os primeiros sinais – ainda fracos, é verdade - que a corrupção vai aos poucos sendo combatida. O governo federal planeja até 2020 uma média de crescimento econômico entre 5 e 6% ao ano, embalados pelo aumento nas taxas de emprego formal, principalmente no setor industrial. A força do BNDES e da Petrobras; os investimentos com a Copa do Mundo e Olimpíadas; a popularidade nacional e internacional que tem o governo federal e a forma rápida e sólida em que o Brasil conseguiu superar a crise econômica são exemplos que ilustram esse momento.

É neste contexto de otimismo que surge a pergunta: quais são os desafios brasileiros para a gestão ambiental neste novo século?

Já que estamos em ano de Copa do Mundo, é bom lembrar que os sempre fanáticos torcedores brasileiros, em 1970, gritavam “90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção!”. O ufanismo militar deu certo, contagiou o povo e a seleção e saímos do México com o caneco de tricampeões. Mas o que surpreende não é o título, muito menos a letra da música e sim o fato de, apenas 40 anos depois, se fôssemos repetir a melodia, teríamos que gritar “190 milhões em ação!”.

Há aí um primeiro alerta: a população brasileira mais do que dobrou desde que Pelé, Tostão e Cia encantaram o mundo com suas fantásticas jogadas. Deriva deste cenário que o crescimento, puro e simples, deve ser encarado agora com bastante cuidado. Cada ponto percentual de aumento no PIB deve vir acompanhado de políticas inclusivas para muito mais pessoas que, com cada vez mais acesso a informação, devoram cada vez mais produtos. Basta para isso analisar que no Brasil já existem mais de 58 milhões de carros de passeio, sendo quase 19 milhões no Estado de São Paulo, número que cresceu quatro vezes mais do que o incremento populacional.  O número de aparelhos celulares no país também são assustadores, chegando a mais de 176 milhões em março de 2010 (quase um por habitante, na média).

Enquanto a população, a tecnologia e o consumo crescem, a demanda de energia se torna um gargalo. O Brasil é o país que mais consome energia com bases renováveis, chegando a 46% do total. A média mundial é 13%. Mesmo assim, a nossa energia renovável é baseada em hidro-eletricidade, que já viu acabar seu potencial em todos os rios do sudeste (com uma única exceção, no Vale do Paraíba) e cuja bola da vez é a Amazônia. Os estados do Norte do país, com seus rios imensos e caudalosos, consomem menos de 20% de toda energia elétrica produzida. Assim, os 25% de energia elétrica que esses estados geram para o país, somados a imensa quantidades de MegaWatts que serão produzidas no Rio Xingu e no Rio Madeira, para citar apenas dois exemplos atuais, serão transferidas quase inteiramente para a região Sudeste do país. E o que fica dessas obras? Áreas alagadas, populações e cidades inteiras transferidas para outras regiões e mais desmatamentos com a chegada de novas famílias, atraídas como garimpeiros ao ouro pela possibilidade de ficarem ricos. Quem já foi Tucuruí pode ver ao vivo esse cenário.

No caso específico de Belo Monte, o governo empurrou esta obra goela abaixo da sociedade como grande triunfo do PAC, e o IBAMA, sem saída, concedeu a licença com quarenta condicionantes (para mais detalhes, ver o texto "As Feridas de Belo Monte"). Uma vitória teórica, já que “nunca antes na história deste país” (como costuma repetir nosso presidente) as condicionantes de uma hidrelétrica foram cumpridas à risca. A população e o poder público de Altamira estão aterrorizados com a previsão de chegada de 100.000 novos habitantes (num município que conta com 96.000), sem planos da expansão da rede de abastecimento de comida, transporte, leitos de hospital, vagas nas escolas, segurança etc. 

É preciso saber que, apesar do nosso modelo ser considerado limpo, continuamos apostando em metodologias antigas, baseado em obras faraônicas e milionárias. Nosso país ainda não investe quase nada em novas tecnologias de altíssimo potencial, como a energia solar, eólica, o álcool de segunda e terceira geração, o biocombustível de algas e na vantagem competitiva que tem o Brasil em produzir energia a partir da biomassa (exceção clara feita ao etanol de cana-de-açúcar).

Com todas essas ameaças, comandadas pelas obras de infra-estrutura, o grande desafio brasileiro atual é a Amazônia. Maior floresta tropical do mundo, perpassando nove países, esse imenso território repousa quase ¾ de sua área em solo verde-e-amarelo. Mesmo com 50% do nosso país sendo considerado Amazônia Legal, o Brasil ainda não sabe exatamente o que fazer com esse potencial. Em décadas passadas, diversos programas que tentavam “ocupar e integrar” estas verdes matas foram tentados, como a Transamazônica, a exploração das seringas pelos os soldados da borracha, entre outros.

De tempos para cá, a Amazônia foi vista como "gigante adormecido" para a produção agropecuária. Diversas cidades e vilas foram fundadas, baseando sua economia na abertura de novas áreas e no conseqüente estabelecimento de áreas para pastagem e agricultura, atividades que continuam sendo os principais vetores de desmatamento da floresta. Agora, com a iminência da discussão do aquecimento global e o importante papel que a floresta em pé tem para a manutenção do clima estável do planeta, o mundo passou a olhar de outra forma para a Amazônia. A possibilidade de fluxo maciço de recursos externos pelos créditos de carbono do chamado REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal), fez arregalar os olhos dos governantes da região. 

Só que o Brasil ainda não se preparou para materializar esses novos tempos. Apesar de anunciar metas de redução de emissões, o país ainda não criou uma entidade nacional para gerenciar as regras desse novo jogo; ainda não compreendeu de verdade que para manter a floresta em pé tem que fortalecer as populações que nela vivem; deve investir maciçamente em pesquisa básica para descobrir e valorizar o potencial dos produtos florestais; ter um plano macro de manejo sustentável dos recursos madeireiros e não madeireiros, entre outras ações.

Estão colocados aí alguns grandes desafios para a gestão ambiental do presente e do futuro no Brasil. Todos estes problemas (e outros tantos mais) compõem, no fundo, uma só questão a ser respondida: como gerar receita para os governos e aumentar a qualidade de vida das pessoas, sem destruir este imenso patrimônio, que faz do Brasil uma das principais potências emergentes do momento?

Para responder a esta questão, parece que a gestão ambiental é uma profissão que veio para ficar.