segunda-feira, 3 de maio de 2010

Ainda precisamos de REDD se o desmatamento está caindo na Amazônia?

Artigo de CARLOS A. NOBRE
Disponível em: https://blogs.worldbank.org/climatechange/do-we-still-need-redd-if-deforestation-decreasing-amazon
Tradução: Ricardo Rettmann


Ainda que a Conferência do Clima das Nações Unidas em Copenhague falhou em atingir um acordo legalmente vinculante, incluindo especificamente o mecanismo de REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal), houve, no entanto, um senso geral de que este mecanismo é algo que vale a pena.

Reuniões e discussões continuaram depois da Conferência e um fundo de cerca de US$ 10 bilhões está sendo criado para promover as etapas iniciais de preparação para REDD, nos países em desenvolvimento detentores de florestas tropicais. Que lições podem ser aprendidas da Amazônia brasileira, aonde as taxas de desmatamento vêm caindo nos últimos 5 anos?

Comparado com estimativas de emissões por mudanças na cobertura de uso do solo de qualquer outro país tropical, as estimativas da porção brasileira da Amazônia tendem a ser relativamente mais precisas, porque são calculadas anualmente, baseadas num monitoramento de satélites de mudança no uso do solo de aproximadamente duas décadas. Este é o trabalho do Projeto PRODES, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), do Brasil.

O desmatamento na Amazônia muda muito de ano para ano. As causas não estão completamente claras. Tem a ver com fatores econômicos, como o preço de commodities (carne, soja, etc) e abertura de estradas, mas são também influenciadas pela efetividade e aplicação de leis que diminuam o desmatamento ilegal.

A aplicação das leis pode ter desempenhado um importante papel na redução do desmatamento nos últimos 5 anos. Nesse período, o a taxa de desmatamento anual na Amazônia brasileira despencou de cerca de 27.000 km2 (agosto 2003 – julho 2004), para cerca de 7.000 km2 (agosto 2008 – julho 2009), uma impressionante redução de 74% em 5 anos!

Levando em consideração a grande variação do desmatamento de ano para ano nos últimos 10 anos, estimativas anuais de emissões de CO2 pela mudança no uso do solo na Amazônia variam na faixa de 0,1 a 0,3 gigatons de carbono (GtC), com um valor de probabilidade média de 0,15 GtC. Isso representa uma contribuição de aproximadamente 1 a 3% do total das emissões globais de CO2, ou ainda 10% das emissões globais de CO2, relativos à mudança no uso do solo em países tropicais.

Alguns críticos do mecanismo de REDD, entusiasmados com este declínio, reivindicam que toda esta redução se deu por conta da aplicação das leis e que este mecanismo compensatório não deveria ser criado simplesmente para incentivar a implementar as leis. Em outras palavras, é o dever das nações democráticas aplicar a lei e nenhum incentivo adicional deve ser fornecido para este fim. Esta linha de raciocínio é uma falácia por mais de uma razão.

Primeiro, é muito improvável que toda esta redução no desmatamento observada no Brasil seja função somente da bom emprego das leis. Segundo, reduzir as atividades ilegais, como corte raso ilegal de floresta, atividade madeireira e queima de biomassa, é necessário, mas não é condição suficiente para assegurar a redução do desmatamento. No melhor cenário, pode diminuir a intensidade da taxa de desmatamento, que eventualmente crescerá novamente, se houver algum boom econômico. A lógica econômica do desenvolvimento rural na Amazônia assenta-se na contínua expansão da fronteira agrícola.

A redução nas emissões só será permanente se associadas a um novo paradigma de desenvolvimento para florestas tropicais – um paradigma que ainda necessita ser desenvolvido e aplicado, em que a saúde econômica é obtida através da floresta em pé e dos serviços ecossistêmicos provenientes desta. Será inteligente dirigir alguns investimentos dos fundos de REDD para promover este novo paradigma necessário para o mundo tropical.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Discussão requentada, muitas fornadas de prejuízos....

Paula Bernasconi

Imagine um país que é famoso por ter uma das mais rígidas legislações de proteção ao meio ambiente. Que possui a maior área de floresta tropical no mundo. Que em sua Constituição Federal limita o abuso do direito de propriedade determinando a função social e ambiental da propriedade. Que é o maior produtor agropecuário do mundo. Que vem implantando um processo de descentralização da gestão florestal para melhorar a governança sobre os recursos naturais, empoderando estados, municípios e sociedade civil a participarem dessa gestão. Uau, tudo deveria ir muito bem, certo?

Infelizmente sabemos que o Brasil não vai muito bem nesse aspecto. Toda a discussão recente sobre as propostas de alteração no Código Florestal tem tido efeitos que lembram aquela história do efeito de uma borboleta batendo asas. Algumas palavrinhas irresponsavelmente ditas no Senado, outras no Congresso, chegam aos rincões do interior do país como bombas.

Num país onde está em curso a descentralização da gestão ambiental e florestal, os estados estão implementando seus zoneamentos sócio-econômico-ecológicos, suas políticas de regularização ambiental, seus códigos estaduais e muncipais de meio ambiente, municípios pleiteiando o licenciamento de empreendimentos de baixo impacto, essa discussão sobre o código florestal que é bem mal requentada não deveria influenciar muito o andamento da grande máquina e do dia a dia da população. Mas influencia.

É surpreendente o poder de desarticulação que a possibilidade, repito, somente a possibilidade de alteração nas porcentagens de reserva legal causa, principalmente na Amazônia Legal, onde historicamente existe um grande debate entre 50% e 80%.

Vou citar dois exemplos de como essa indefinição atrapalha. O primeiro é o MT Legal, programa do governo de Mato Grosso que visa acelerar a regularização ambiental das propriedades rurais, incentivando-as a entrar para o cadastro estadual. Esse programa é fruto de muitos debates e negociações entre governo, produtores e ambientalistas e traz vantagens pra todos. É bom para o estado que fica sabendo quem é dono de quê e fiscaliza com maior facilidade (além de ser imprescindível, por exemplo, para programas de REDD que MT vem pleiteando) e para o produtor porque ao se cadastrar fica isento de multas por desmatamentos ilegais que ele tenha praticado. Tudo caminhava para o sucesso até que o programa foi lançado no final do ano passado e aí: pára tudo! O setor produtivo começou a boicotar o programa porque: “vamos conquistar lá em Brasília a redução da reserva legal pra 50%, enquanto isso nada de regularização”. E o Programa que esperava cadastrar 40 mil propriedades em um ano já tem quase seis meses e míseros 300 e poucos cadastros.

Outro caso é o município de Marcelândia –MT, que em 2007 era o campeão brasileiro de desmatamento, palco de inúmeras ações da Polícia Federal e Força Nacional que fecharam praticamente todas as madeireiras da cidade e deixaram a cidade num caos social, já que a maioria das atividades econômicas não era regularizadas. Porém, esse município tinha tudo pra virar esse jogo já que tem 75% de seu território ainda com floresta amazônica, um grande potencial para manejo sustentável e uma área já desmatada igual a de municípios campeões de produtividade agropecuária como Lucas do Rio Verde-MT. Ora, não é preciso ser muito esperto pra ver que a conta de reserva legal no município quase fecha, as fazendas que desmataram mais que o permitido poderiam compensar seu passivo nas muitas fazendas de manejo florestal que tem 100% de floresta. Assim os madeireiros teriam mais recursos para investir na legalização e na exploração sustentável e os pecuaristas e agricultores poderiam continuar com suas atividades e ter a licença ambiental. Foi feito um estudo que identificava essa possibilidade de compensação e até a possibilidade de criação de unidade de conservação para também compensar passivos dentro do próprio município através da desoneração. Porém, a compensação e desoneração apesar de previstas no Código Florestal e na legislação estadual ainda não foram regulamentadas no nível federal, e no órgão ambiental estadual ficam emperradas em burocracias. A sociedade local está engajada, lançaram uma campanha “Marcelândia 100% Legal”. Mas com juiz e bandeirinha se desentendendo fica bem complicado virar esse jogo.

“Antigamente podia derrubar 50%”, argumentam uns. Ora, antigamente podia fumar em bares também, agora não pode mais. Antigamente já era obrigatório o uso do cinto de segurança, ninguém usava porque não era multado, hoje todos usam. As regras de convivência em sociedade (leis) mudam de acordo com as evoluções da própria sociedade. A lei é essa, 80% em área de floresta no bioma amazônico, existe desde 2001 (ou 1998), e hoje, mais do que nunca, proteger as florestas é uma necessidade da sociedade que ultrapassa fronteiras nacionais, então é incabível pensar em alguma alteração nesse ponto da lei.

Realmente a maioria das propriedades rurais em área consolidada não estão de acordo com essa lei. Porém, o que deve ser revisto e aprimorado então são as possibilidades de regularização desse passivo, inclusive a regulamentação dos mecanismos que já estão previstos, como a compensação de reserva legal entre propriedades, desoneração da reserva legal através de doação de área particular dentro de UC pendente de regularização, e Cotas de Reserva Florestal, ou servidão florestal. Isso sem contar a recomposição, que é muito custosa mas pode até trazer muito mais renda que muitas pastagens e lavouras de baixíssima produtividade por aí. Se acham a lei impraticável, vamos criar mecanismos para torná-la praticável, não desmanchá-la como querem, porque há mais do que motivos suficientes para sabermos o quão necessária é sua “prática”.

Enfim, nesse aniversário de Brasília espero que o aniversariante dê um grande presente pra todo o Brasil: pare de discutir o óbvio, pare de atrapalhar o desenvolvimento e comece a trabalhar para fazer acontecer a legislação ambiental e o Brasil. Não temos mais tempo a perder.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

A REVOLUÇÃO EM TODA SUA SIMPLICIDADE

Ricardo Rettmann

Desde que os americanos, no século XIX, descobriram que a vulcanização do leite da seringueira, a borracha, poderia se tornar a grande matéria prima para a fabricação dos pneus, a Amazônia nunca mais foi a mesma. Milhões de nordestinos saÍram de suas casas, estimulados pela vigorosa propaganda governamental, para formar o que ficaria conhecido como os “soldados da borracha”.
Os ingleses conseguiram contrabandear a semente da seringueira para o sudeste asiático, formando extensas monoculturas. Mas quando o Japão, durante a II Guerra Mundial, dominou estas paragens, a Amazônia voltou ao foco. Deste período histórico, ressurgiram os “soldados da borracha” e, junto com eles, os patrões.
Estes senhores poderosos, se diziam proprietários de grandes faixas de terra e, por isso e com ajuda de suas espingardas, donos de todos os seringais. Os trabalhadores da borracha, chamados já de seringueiros, moravam dentro destas terras.
O movimento de dominação era simples: como viviam isolados, os produtos que necessitavam eram trazidos pelos senhores que, por sua vez, trocavam pela produção de borracha. O preço dos produtos e o peso da borracha eram controlados pelo patrão. Por conta do isolamento e da falta de informação, a escravidão por dívidas, por maior que fosse a produção, era inevitável.
Com o fim da guerra e a produção normatizada no sudeste asiático, a borracha brasileira novamente entrou em crise. Mas a dominação dos patrões não. Na década de 1980, o movimento seringueiro ganha um grande líder: Chico Mendes. Além dos empates, que eram uma recusa coletiva dos seringueiros a produzir, ele organizou o movimento em sindicatos e formou o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), que procurava aglutinar todos os seringueiros da Amazônia. A luta pela terra, para se livrar de uma vez por todas dos patrões, foi uma das principais bandeiras.
Nem o assassinato deste grande homem conseguiu frear a organização dos seringueiros, que viu surgir novas lideranças, como Marina Silva e Manoel Cunha, e conseguiu pressionar pela criação das RESEX (Reservas Extrativistas) e a as RDS (Reservas de Desenvolvimento Sustentável), terras protegidas que permitem o uso sustentável dos recursos naturais pelas comunidades extrativistas.    
Com a criação das terras, a vida do povo local melhorou, mas persistia um problema. A distância dos centros urbanos era tanta que o custo do transporte não compensava a viagem. Os patrões antigos e seus descendentes, chamados agora de Regatões, passaram a visitar estas comunidades de barco, oferecendo produtos da cidade a um preço muito acima da média e trocando-os por produtos extrativistas, a um preço baixíssimo. Como não tinham opção, os comunitários participavam deste mercado.
Algumas décadas depois, no município de Carauari, Amazonas, surge uma idéia que tem o potencial de acabar com esta dependência dos regatões: o Comércio Ribeirinho Solidário. A Associação local, chamada ASPROC (Associação Produtores Rurais de Carauari), juntamente com o CNS (que agora passou a se chamar Conselho Nacional das Populações Extrativistas), compra produtos básicos como vela, gasolina, lanterna, bolacha, sabão, entre outros, em Manaus e levam às comunidades. Os produtos, a um preço justo, são comercializados por dinheiro ou pelos produtos do extrativismo nas cantinas comunitárias, que são postos de venda e troca dentro das comunidades, a metros de distância das famílias.
Mensalmente, o barco da associação passa reabastecendo as cantinas e recolhendo a produção extrativista, para vender em escala na cidade.
Entre os dias 06 e 10 de abril de 2010, o IPAM e o Serviço Florestal Brasileiro tiveram a oportunidade de conhecer ao vivo esta experiência. É impressionante ver como idéias simples e bem organizadas têm o potencial de mudar para melhor a vida de muita gente. É a revolução silenciosa em curso.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Desafios Brasileiros para a Gestão Ambiental no Século XXI

Ricardo Rettmann
O Brasli está eufórico. Nosso país atravessa grande momento histórico. A democracia já é uma realidade incontestável e Brasília deu, nos últimos meses, os primeiros sinais – ainda fracos, é verdade - que a corrupção vai aos poucos sendo combatida. O governo federal planeja até 2020 uma média de crescimento econômico entre 5 e 6% ao ano, embalados pelo aumento nas taxas de emprego formal, principalmente no setor industrial. A força do BNDES e da Petrobras; os investimentos com a Copa do Mundo e Olimpíadas; a popularidade nacional e internacional que tem o governo federal e a forma rápida e sólida em que o Brasil conseguiu superar a crise econômica são exemplos que ilustram esse momento.

É neste contexto de otimismo que surge a pergunta: quais são os desafios brasileiros para a gestão ambiental neste novo século?

Já que estamos em ano de Copa do Mundo, é bom lembrar que os sempre fanáticos torcedores brasileiros, em 1970, gritavam “90 milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção!”. O ufanismo militar deu certo, contagiou o povo e a seleção e saímos do México com o caneco de tricampeões. Mas o que surpreende não é o título, muito menos a letra da música e sim o fato de, apenas 40 anos depois, se fôssemos repetir a melodia, teríamos que gritar “190 milhões em ação!”.

Há aí um primeiro alerta: a população brasileira mais do que dobrou desde que Pelé, Tostão e Cia encantaram o mundo com suas fantásticas jogadas. Deriva deste cenário que o crescimento, puro e simples, deve ser encarado agora com bastante cuidado. Cada ponto percentual de aumento no PIB deve vir acompanhado de políticas inclusivas para muito mais pessoas que, com cada vez mais acesso a informação, devoram cada vez mais produtos. Basta para isso analisar que no Brasil já existem mais de 58 milhões de carros de passeio, sendo quase 19 milhões no Estado de São Paulo, número que cresceu quatro vezes mais do que o incremento populacional.  O número de aparelhos celulares no país também são assustadores, chegando a mais de 176 milhões em março de 2010 (quase um por habitante, na média).

Enquanto a população, a tecnologia e o consumo crescem, a demanda de energia se torna um gargalo. O Brasil é o país que mais consome energia com bases renováveis, chegando a 46% do total. A média mundial é 13%. Mesmo assim, a nossa energia renovável é baseada em hidro-eletricidade, que já viu acabar seu potencial em todos os rios do sudeste (com uma única exceção, no Vale do Paraíba) e cuja bola da vez é a Amazônia. Os estados do Norte do país, com seus rios imensos e caudalosos, consomem menos de 20% de toda energia elétrica produzida. Assim, os 25% de energia elétrica que esses estados geram para o país, somados a imensa quantidades de MegaWatts que serão produzidas no Rio Xingu e no Rio Madeira, para citar apenas dois exemplos atuais, serão transferidas quase inteiramente para a região Sudeste do país. E o que fica dessas obras? Áreas alagadas, populações e cidades inteiras transferidas para outras regiões e mais desmatamentos com a chegada de novas famílias, atraídas como garimpeiros ao ouro pela possibilidade de ficarem ricos. Quem já foi Tucuruí pode ver ao vivo esse cenário.

No caso específico de Belo Monte, o governo empurrou esta obra goela abaixo da sociedade como grande triunfo do PAC, e o IBAMA, sem saída, concedeu a licença com quarenta condicionantes (para mais detalhes, ver o texto "As Feridas de Belo Monte"). Uma vitória teórica, já que “nunca antes na história deste país” (como costuma repetir nosso presidente) as condicionantes de uma hidrelétrica foram cumpridas à risca. A população e o poder público de Altamira estão aterrorizados com a previsão de chegada de 100.000 novos habitantes (num município que conta com 96.000), sem planos da expansão da rede de abastecimento de comida, transporte, leitos de hospital, vagas nas escolas, segurança etc. 

É preciso saber que, apesar do nosso modelo ser considerado limpo, continuamos apostando em metodologias antigas, baseado em obras faraônicas e milionárias. Nosso país ainda não investe quase nada em novas tecnologias de altíssimo potencial, como a energia solar, eólica, o álcool de segunda e terceira geração, o biocombustível de algas e na vantagem competitiva que tem o Brasil em produzir energia a partir da biomassa (exceção clara feita ao etanol de cana-de-açúcar).

Com todas essas ameaças, comandadas pelas obras de infra-estrutura, o grande desafio brasileiro atual é a Amazônia. Maior floresta tropical do mundo, perpassando nove países, esse imenso território repousa quase ¾ de sua área em solo verde-e-amarelo. Mesmo com 50% do nosso país sendo considerado Amazônia Legal, o Brasil ainda não sabe exatamente o que fazer com esse potencial. Em décadas passadas, diversos programas que tentavam “ocupar e integrar” estas verdes matas foram tentados, como a Transamazônica, a exploração das seringas pelos os soldados da borracha, entre outros.

De tempos para cá, a Amazônia foi vista como "gigante adormecido" para a produção agropecuária. Diversas cidades e vilas foram fundadas, baseando sua economia na abertura de novas áreas e no conseqüente estabelecimento de áreas para pastagem e agricultura, atividades que continuam sendo os principais vetores de desmatamento da floresta. Agora, com a iminência da discussão do aquecimento global e o importante papel que a floresta em pé tem para a manutenção do clima estável do planeta, o mundo passou a olhar de outra forma para a Amazônia. A possibilidade de fluxo maciço de recursos externos pelos créditos de carbono do chamado REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal), fez arregalar os olhos dos governantes da região. 

Só que o Brasil ainda não se preparou para materializar esses novos tempos. Apesar de anunciar metas de redução de emissões, o país ainda não criou uma entidade nacional para gerenciar as regras desse novo jogo; ainda não compreendeu de verdade que para manter a floresta em pé tem que fortalecer as populações que nela vivem; deve investir maciçamente em pesquisa básica para descobrir e valorizar o potencial dos produtos florestais; ter um plano macro de manejo sustentável dos recursos madeireiros e não madeireiros, entre outras ações.

Estão colocados aí alguns grandes desafios para a gestão ambiental do presente e do futuro no Brasil. Todos estes problemas (e outros tantos mais) compõem, no fundo, uma só questão a ser respondida: como gerar receita para os governos e aumentar a qualidade de vida das pessoas, sem destruir este imenso patrimônio, que faz do Brasil uma das principais potências emergentes do momento?

Para responder a esta questão, parece que a gestão ambiental é uma profissão que veio para ficar.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

As Feridas de Belo Monte

Ricardo Rettmann


No dia 03 de fevereiro de 2010 o Brasil atingiu, pelo terceiro dia consecutivo, o recorde de consumo de energia. A demanda por energia ultrapassou, pela primeira vez na história, os 70 mil megawatts (MW), chegando a 70.400 MW. O ano de 2010 mal começava e o país já batia recordes, impulsionado pela retomada da atividade industrial e pelas altas temperaturas Brasil afora, conforme relatou o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

Gerar energia para manter estável a crescente produção brasileira, a um ritmo planejado de 5 a 6% por ano, é o pano de fundo que justificaria a construção de Belo Monte. Sem essa obra, alega o governo federal, o país precisaria acionar as caras e poluidoras usinas termelétricas.
O projeto de construção de Belo Monte é antigo e remete aos primeiros estudos de viabilidade que ocorreram na década de 1970, ainda durante o período militar. Os enormes desafios técnicos e, principalmente, socioambientais de uma obra desta magnitude na região foram suficientes para que os governos anteriores desistissem dessa empreitada.

O governo atual, através do seu Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) resgatou este projeto. E martelou tanto a idéia de concretizar esta obra faraônica, que está conseguindo tirá-la do papel a ponto de fazer dela um dos principais palanques da “mãe do PAC”, a ministra e pré-candidata a presidente Dilma Rousseff.

Realmente, os números da obra de Belo Monte assustam até mesmo os especialistas. A quantidade de terra e pedra que será retirada na escavação do canal - cerca de 210 milhões de m³ - é um pouco menor da que foi removida na construção do Canal do Panamá (e ainda não está previsto onde irão colocar tanta terra). Pelo leito do rio Xingu passa uma vazão de 23.000 m³/s de água no período de cheia, volume correspondente a quatro vezes a vazão, também nos períodos de cheia, das Cataratas do Iguaçu.

O preço da obra acompanha essa magnitude: o governo alega que a obra toda custará cerca de R$ 16 bilhões, enquanto os dois grupos prováveis concorrentes do leilão a ser realizado em abril, afirmam que custará pelo menos R$ 30 bilhões. Os cerca de 10 a 20% normais para custear o gerenciamento do recurso, portanto, podem deixar os vencedores do leilão sorrindo de orelha a orelha, ainda mais sabendo que, pela primeira vez na história, o BNDES financiará cerca de 80% da obra, contra os 30% habituais.

O que mais incomoda os críticos à obra foi o processo de aprovação. A toque de caixa e enfiando goela abaixo da população, o governo preparou o projeto da obra, derrubou as liminares contrárias emitidas pelo Ministério Público, fez rápidas audiências públicas, calou os índios, derrubou dois diretores do IBAMA e aprovou a obra, tudo isso casualmente em ano eleitoral.

Cercada de perguntas sem respostas, a obra causou uma situação inédita na região de Altamira, principal cidade da região onde será construída a hidrelétrica. Visto como um projeto do PT, os movimentos sociais regionais, a princípio radicalmente contrários a Belo Monte, demoraram a se posicionar contra o empreendimento, já que são parte da fundação do partido e sustentam a legenda regionalmente. Agora, muitos já se desfiliaram da legenda e, mesmo aqueles que continuam apoiando o partido, prometem radicais manifestações contrárias à obra.

A mesma reação terá o movimento indígena, que se vê como grande prejudicado no processo. Além de não terem sido formalmente consultados no processo de licenciamento, vêem o rio como sagrado e estão bastante preocupados com os impactos ecológicos que suas comunidades sofrerão com a drástica diminuição da vazão da água em trecho de cerca de 100 km. Prometem fazer de tudo para brecar a construção. Até o dia 23 de fevereiro, centenas deles ocuparam a sede da FUNAI em Altamira, que fica dentro do Campus da Universidade Federal do Pará. Agora, prometem um enorme acampamento no local que será a base para a construção da usina, reforçados pelos guerreiros do Parque Indígena do Xingu. O palco para o conflito está armado.

O poder público e a sociedade em geral dos municípios da região estão também bastante preocupados. Apesar das 40 condicionantes (http://www.ibama.gov.br/2010/02/sai-licenca-previa-de-belo-monte-com-40-condicionantes/) aprovados de última hora pelo IBAMA, que teoricamente irão encarecer a obra em R$ 1,5 bilhão, todos sabem que em nenhuma hidrelétrica na história do país os condicionantes socioambientais foram cumpridos à risca e tem o medo real de que, desta vez, não será diferente.

As preocupações são realmente dignas de desespero. O município de Altamira, que tem população oficial de 96.000 pessoas contando as que vivem em áreas rurais, sabe que terá boa parte de sua área urbana alagada pelas obras. Mas esse número ainda não está claro, girando entre 30 e 70% da cidade. Com isso, não se sabe quantas pessoas deverão ser removidas e, muito menos, para onde essas pessoas irão, apesar do governo repetir sorrindo que todos os prejudicados serão remanejados.

A competente e simpática Secretária Municipal de Meio Ambiente e Turismo de Altamira, Zelma Luzia da Silva Costa, está, com razão, bastante preocupada. Vendo os pedidos de licenciamento ambiental de pequenas obras, que são de responsabilidade desta secretaria, aumentarem a um ritmo nunca antes visto, ela recebe constantemente ligações anônimas de pressão pela agilidade na aprovação, tentativas de suborno e até ameaças físicas. Por isso está reforçando o sistema de segurança do prédio onde se encontra secretaria.

Segundo ela própria, este quadro é agravado pela expectativa de chegada, somente em Altamita, de 100.000 novas pessoas, normalmente das regiões pobres do país, atraídas pela possibilidade de riqueza fácil. Preocupa pois, apesar das condicionantes, não existe um plano claro para itens básicos da qualidade de vida na cidade e na região, como abastecimento de comida, que depende muito da importação de alimentos de outras regiões do país, aumento de leito nos hospitais, vagas nas escolas, segurança, transporte, entre outros. Não há previsão, também, de ordenamento territorial e regularização fundiária para conter os desmatamentos decorrentes da chegada destas novas pessoas, que estimularão a grilagem de terras e a especulação imobiliária, agravada pelo asfaltamento da Transamazônica, que acompanhará Belo Monte.

Altamira e região, que já tem suficiência energética abastecidos pela hidrelétrica de Tucuruí, pagarão, sob a bandeira do PAC, o caótico preço da modernização e crescimento do país. Enquanto os charutos dos industriais do sudeste continuam acesos com estabilidade energética garantida, as construtoras se deliciam com o concreto e as máquinas levadas a Belo Monte e o governo federal colhe os frutos eleitorais de suas obras, uma ferida profunda está sendo aberta na região de Altamira que, por falta de planejamento, pode nunca mais ser cicatrizada.   

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Construindo pontes!

Paula Bernasconi

Existem algumas palavrinhas que juntas tem um grande potencial de produzir resultados incríveis mas não são nada simples de conseguirmos aproximá-las. Conservação e Desenvolvimento, Ciência e Prática, Educação e Conhecimento tradicional são algumas delas e as estratégias para construirmos essas “pontes” foi exatamente o tema de uma conferência realizada na Universidade da Flórida, entre 28 e 30 de Janeiro, organizada pelo Tropical Conservation and Development Program (http://conference.ifas.ufl.edu/tcd/).


Alguns podem achar que é um tema batido, afinal é óbvio hoje em dia que essas pontes são necessárias mas será que estamos mesmo promovendo elas na prática? Dos milhares de municípios brasileiros quantos são os que apresentam um aumento da qualidade de vida da população (desenvolvimento) e ao mesmo tempo uma melhoria da conservação do ambiente? Estamos conseguindo permitir a crianças e jovens de comunidades ribeirinhas, tradicionais, indígenas e rurais o acesso a uma educação que os inclua e ao mesmo tempo aborde e valorize o conhecimento tradicional de suas comunidades? Os nossos jovens mestres e doutores em seus estudos de caso estão produzindo conhecimento que reflitam melhoria para seus "estudados" na prática?

Também temos que reconhecer que existem avanços. Na conferência foram discutidas estratégias de aproximar Conservação e Desenvolvimento em três categorias: Abordagens baseadas em garantia de direitos, Abordagens baseadas em mercado, e Gestão de paisagem em multi-escalas.

Dentre as abordagens baseadas em garantia de direitos, destaco o relato apaixonado e apaixonante de Mary Allegretti (antropóloga brasileira) sobre a trajetória da luta de seringueiros pelos direitos de posse e exploração da floresta através da história da RESEX Chico Mendes. Ainda há muito a ser conquistado e aprimorado mas em pouco tempo muitos povos da floresta, quilombolas e indígenas conquistaram do governo brasileiro seus direitos no reconhecimento de seus territórios na Amazônia.

Sobre as abordagens baseadas em mercado, outro exemplo vindo do Brasil gerou muito debate: as mesas redondas que visam criar certificações para commodities, por exemplo a Mesa Redonda da Soja Responsável, e a da Pecuária. A iniciativa de setores produtivos sentarem na mesa com ONGs, compradores e sociedade e discutir critérios e parâmetros de produção responsável e sustentável foi considerada louvável, mas questionamentos surgiram sobre a dificuldade de monitoramento / verificação de cumprimento dos critérios, assim como em qualquer certificação. Outra questão é: será que o fato dessas mesas redondas serem setoriais não acaba camuflando responsabilidades e criando vilões? Por exemplo no desmatamento da Amazônia, a moratória da soja é considerada um sucesso pois não houve praticamente nenhum plantio de soja em área desmatada, mas com certeza o avanço da soja em área de pasto promoveu o avanço do pasto sobre a floresta na fronteira, então indiretamente causou desmatamento. E aí, a culpa é só da pecuária?

Na seção de gestão da paisagem em multi-escalas Daniel Nepstad, IPAM, apresentou as estratégias do governo de Mato Grosso na gestão de seu território através do licenciamento de propriedades e do controle do desmatamento. Em pouco tempo o Estado apresentou uma grande redução de desmatamento e hoje está com Zoneamento Sócio Econômico Ecológico em fase de aprovação, aprovou seu Plano Estadual de Controle do Desmatamento e Queimadas e instituiu um Fórum de Mudanças Climáticas. Agora o governo estadual demanda do governo federal sua parcela de recursos advindos do REDD. Ao mesmo tempo quer continuar campeão em produção de soja, algodão, milho e carne apostando no aumento da produtividade e intensificação da produção para saciar a fome do mundo... Ainda existe uma luz amarela acesa, vale o alerta feito por Nepstad no início de sua palestra: que tal pensarmos em reduzir nosso consumo de carne se queremos reduzir o desmatamento da Amazônia?

Enfim, o resultado é que ainda não temos respostas prontas nem modelos que balanceiem perfeitamente conservação e desenvolvimento. Um ou outro sempre acaba prevalecendo e isso significa que temos muito trabalho pela frente. Ainda mais se pensarmos nas mega diversidades de comunidades, culturas, ambientes e ecossistemas que geram demandas de conservações e desenvolvimentos diferentes. Nunca vai existir um só modelo.

Mas de qualquer forma, é só através da construção de parcerias, trocas de experiências e de inspirações, realização de debates, é que conseguiremos avançar nesse desafio de aliar Conservação e Desenvolvimento, seja onde for. E isso com certeza foi um grande resultado dessa conferência.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Código Florestal - Audiênca Pública em Ribeirão Preto-SP









Renato Morgado

Ribeirão Preto, 03 de fevereiro


Cerca de 2000 pessoas estavam presentes no Centro de Convenções de Ribeirão Preto para participar da Audiência Pública e discutir as propostas de alteração do Código Florestal. Certamente não foi uma Audiência Pública trivial: estavam presentes 8 Deputados Federais da Comissão Especial que analisa as propostas de mudança, incluindo o presidente da comissão Moacir Micheletto (PMDB/PR) e o relator Aldo Rebelo (PC do B/SP), presidentes e vice-presidentes dos principais órgãos representantes do agronegócio brasileiro como SRB, CNA, ABAG e UNICA, e representantes de dezenas de organizações estaduais e regionais. A grande maioria do público era composta por produtores rurais de Ribeirão Preto e região, houve uma grande mobilização de sindicatos e cooperativas, o que permitiu a lotação do salão onde ocorreu a audiência. Em menor número estavam presentes estudantes, membros do MST, de sindicatos de trabalhadores rurais e de ONGs ambientalistas.

Os dizeres dos diversos Banners e Faixas espalhados pelo salão já davam pistas sobre as linhas que seriam adotadas na maior parte dos discursos. “Em defesa do agronegócio e da propriedade privada” “Código ambiental moderno e aplicável: agricultura perene e viável”, “Modernizar o código florestal é garantir o desenvolvimento sustentável”.

Apesar de utilizar palavras como “modernização”, “adequação” e “adaptação” muitos posicionamentos colocaram a questão ambiental como um entrave ao desenvolvimento da agricultura. Houve forte defesa da autonomia dos Estados para a definição do tamanho das áreas de preservação permanente. Neste campo de discurso estiveram presentes fortes críticas a atuação do movimento ambientalista.

O Pagamento por Serviços Ambientais, Reserva Legal em nível de Bacia ou Bioma e não de propriedade e tratamento diferenciado para áreas de agricultura consolidada foram idéias e possibilidades muito citadas nasfalas.

Apenas alguns discursos foram críticos as tentativas de flexibilização do Código Florestal. Houve uma intensa assimetria do tempo total destas falas em relação ao tempo das falas dos que defenderam mudanças no CF. Além disso, não houve abertura de inscrições sendo que a lista das entidades que puderam fazer o uso da palavra já estava definida de antemão. O clima em muitos momentos foi tenso com manifestações dos estudantes e MST de um lado e produtores rurais do outro.

O discurso anti-ong dos deputados da Comissão foi muito forte. As falas abaixo ilustram bem estas posturas:

“Na comissão, não seremos pautados por pressão, principalmente de organizações que são financiadas por pessoas de outros países que querem atrapalhar o nosso sistema produtivo.” (Valdir Colatto)

“No Brasil, estão escondidos nas trincheiras do ambientalismo, interesses internacionais que querem impedir o desenvolvimento da nossa agricultura.” (Aldo Rebelo)

Dado o caráter intensamente conservador da Comissão Especial a realização desta audiência pública me pareceu ter um duplo objetivo: Utilizar a realização da mesma para legitimar as propostas que serão aprovadas pela Comissão, ou seja, “realizamos mais um espaço onde colhemos as opiniões da sociedade” e mobilizar os produtores rurais em torno de uma proposta de flexibilização do CF.