quinta-feira, 22 de abril de 2010

Discussão requentada, muitas fornadas de prejuízos....

Paula Bernasconi

Imagine um país que é famoso por ter uma das mais rígidas legislações de proteção ao meio ambiente. Que possui a maior área de floresta tropical no mundo. Que em sua Constituição Federal limita o abuso do direito de propriedade determinando a função social e ambiental da propriedade. Que é o maior produtor agropecuário do mundo. Que vem implantando um processo de descentralização da gestão florestal para melhorar a governança sobre os recursos naturais, empoderando estados, municípios e sociedade civil a participarem dessa gestão. Uau, tudo deveria ir muito bem, certo?

Infelizmente sabemos que o Brasil não vai muito bem nesse aspecto. Toda a discussão recente sobre as propostas de alteração no Código Florestal tem tido efeitos que lembram aquela história do efeito de uma borboleta batendo asas. Algumas palavrinhas irresponsavelmente ditas no Senado, outras no Congresso, chegam aos rincões do interior do país como bombas.

Num país onde está em curso a descentralização da gestão ambiental e florestal, os estados estão implementando seus zoneamentos sócio-econômico-ecológicos, suas políticas de regularização ambiental, seus códigos estaduais e muncipais de meio ambiente, municípios pleiteiando o licenciamento de empreendimentos de baixo impacto, essa discussão sobre o código florestal que é bem mal requentada não deveria influenciar muito o andamento da grande máquina e do dia a dia da população. Mas influencia.

É surpreendente o poder de desarticulação que a possibilidade, repito, somente a possibilidade de alteração nas porcentagens de reserva legal causa, principalmente na Amazônia Legal, onde historicamente existe um grande debate entre 50% e 80%.

Vou citar dois exemplos de como essa indefinição atrapalha. O primeiro é o MT Legal, programa do governo de Mato Grosso que visa acelerar a regularização ambiental das propriedades rurais, incentivando-as a entrar para o cadastro estadual. Esse programa é fruto de muitos debates e negociações entre governo, produtores e ambientalistas e traz vantagens pra todos. É bom para o estado que fica sabendo quem é dono de quê e fiscaliza com maior facilidade (além de ser imprescindível, por exemplo, para programas de REDD que MT vem pleiteando) e para o produtor porque ao se cadastrar fica isento de multas por desmatamentos ilegais que ele tenha praticado. Tudo caminhava para o sucesso até que o programa foi lançado no final do ano passado e aí: pára tudo! O setor produtivo começou a boicotar o programa porque: “vamos conquistar lá em Brasília a redução da reserva legal pra 50%, enquanto isso nada de regularização”. E o Programa que esperava cadastrar 40 mil propriedades em um ano já tem quase seis meses e míseros 300 e poucos cadastros.

Outro caso é o município de Marcelândia –MT, que em 2007 era o campeão brasileiro de desmatamento, palco de inúmeras ações da Polícia Federal e Força Nacional que fecharam praticamente todas as madeireiras da cidade e deixaram a cidade num caos social, já que a maioria das atividades econômicas não era regularizadas. Porém, esse município tinha tudo pra virar esse jogo já que tem 75% de seu território ainda com floresta amazônica, um grande potencial para manejo sustentável e uma área já desmatada igual a de municípios campeões de produtividade agropecuária como Lucas do Rio Verde-MT. Ora, não é preciso ser muito esperto pra ver que a conta de reserva legal no município quase fecha, as fazendas que desmataram mais que o permitido poderiam compensar seu passivo nas muitas fazendas de manejo florestal que tem 100% de floresta. Assim os madeireiros teriam mais recursos para investir na legalização e na exploração sustentável e os pecuaristas e agricultores poderiam continuar com suas atividades e ter a licença ambiental. Foi feito um estudo que identificava essa possibilidade de compensação e até a possibilidade de criação de unidade de conservação para também compensar passivos dentro do próprio município através da desoneração. Porém, a compensação e desoneração apesar de previstas no Código Florestal e na legislação estadual ainda não foram regulamentadas no nível federal, e no órgão ambiental estadual ficam emperradas em burocracias. A sociedade local está engajada, lançaram uma campanha “Marcelândia 100% Legal”. Mas com juiz e bandeirinha se desentendendo fica bem complicado virar esse jogo.

“Antigamente podia derrubar 50%”, argumentam uns. Ora, antigamente podia fumar em bares também, agora não pode mais. Antigamente já era obrigatório o uso do cinto de segurança, ninguém usava porque não era multado, hoje todos usam. As regras de convivência em sociedade (leis) mudam de acordo com as evoluções da própria sociedade. A lei é essa, 80% em área de floresta no bioma amazônico, existe desde 2001 (ou 1998), e hoje, mais do que nunca, proteger as florestas é uma necessidade da sociedade que ultrapassa fronteiras nacionais, então é incabível pensar em alguma alteração nesse ponto da lei.

Realmente a maioria das propriedades rurais em área consolidada não estão de acordo com essa lei. Porém, o que deve ser revisto e aprimorado então são as possibilidades de regularização desse passivo, inclusive a regulamentação dos mecanismos que já estão previstos, como a compensação de reserva legal entre propriedades, desoneração da reserva legal através de doação de área particular dentro de UC pendente de regularização, e Cotas de Reserva Florestal, ou servidão florestal. Isso sem contar a recomposição, que é muito custosa mas pode até trazer muito mais renda que muitas pastagens e lavouras de baixíssima produtividade por aí. Se acham a lei impraticável, vamos criar mecanismos para torná-la praticável, não desmanchá-la como querem, porque há mais do que motivos suficientes para sabermos o quão necessária é sua “prática”.

Enfim, nesse aniversário de Brasília espero que o aniversariante dê um grande presente pra todo o Brasil: pare de discutir o óbvio, pare de atrapalhar o desenvolvimento e comece a trabalhar para fazer acontecer a legislação ambiental e o Brasil. Não temos mais tempo a perder.

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