sexta-feira, 16 de abril de 2010

A REVOLUÇÃO EM TODA SUA SIMPLICIDADE

Ricardo Rettmann

Desde que os americanos, no século XIX, descobriram que a vulcanização do leite da seringueira, a borracha, poderia se tornar a grande matéria prima para a fabricação dos pneus, a Amazônia nunca mais foi a mesma. Milhões de nordestinos saÍram de suas casas, estimulados pela vigorosa propaganda governamental, para formar o que ficaria conhecido como os “soldados da borracha”.
Os ingleses conseguiram contrabandear a semente da seringueira para o sudeste asiático, formando extensas monoculturas. Mas quando o Japão, durante a II Guerra Mundial, dominou estas paragens, a Amazônia voltou ao foco. Deste período histórico, ressurgiram os “soldados da borracha” e, junto com eles, os patrões.
Estes senhores poderosos, se diziam proprietários de grandes faixas de terra e, por isso e com ajuda de suas espingardas, donos de todos os seringais. Os trabalhadores da borracha, chamados já de seringueiros, moravam dentro destas terras.
O movimento de dominação era simples: como viviam isolados, os produtos que necessitavam eram trazidos pelos senhores que, por sua vez, trocavam pela produção de borracha. O preço dos produtos e o peso da borracha eram controlados pelo patrão. Por conta do isolamento e da falta de informação, a escravidão por dívidas, por maior que fosse a produção, era inevitável.
Com o fim da guerra e a produção normatizada no sudeste asiático, a borracha brasileira novamente entrou em crise. Mas a dominação dos patrões não. Na década de 1980, o movimento seringueiro ganha um grande líder: Chico Mendes. Além dos empates, que eram uma recusa coletiva dos seringueiros a produzir, ele organizou o movimento em sindicatos e formou o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), que procurava aglutinar todos os seringueiros da Amazônia. A luta pela terra, para se livrar de uma vez por todas dos patrões, foi uma das principais bandeiras.
Nem o assassinato deste grande homem conseguiu frear a organização dos seringueiros, que viu surgir novas lideranças, como Marina Silva e Manoel Cunha, e conseguiu pressionar pela criação das RESEX (Reservas Extrativistas) e a as RDS (Reservas de Desenvolvimento Sustentável), terras protegidas que permitem o uso sustentável dos recursos naturais pelas comunidades extrativistas.    
Com a criação das terras, a vida do povo local melhorou, mas persistia um problema. A distância dos centros urbanos era tanta que o custo do transporte não compensava a viagem. Os patrões antigos e seus descendentes, chamados agora de Regatões, passaram a visitar estas comunidades de barco, oferecendo produtos da cidade a um preço muito acima da média e trocando-os por produtos extrativistas, a um preço baixíssimo. Como não tinham opção, os comunitários participavam deste mercado.
Algumas décadas depois, no município de Carauari, Amazonas, surge uma idéia que tem o potencial de acabar com esta dependência dos regatões: o Comércio Ribeirinho Solidário. A Associação local, chamada ASPROC (Associação Produtores Rurais de Carauari), juntamente com o CNS (que agora passou a se chamar Conselho Nacional das Populações Extrativistas), compra produtos básicos como vela, gasolina, lanterna, bolacha, sabão, entre outros, em Manaus e levam às comunidades. Os produtos, a um preço justo, são comercializados por dinheiro ou pelos produtos do extrativismo nas cantinas comunitárias, que são postos de venda e troca dentro das comunidades, a metros de distância das famílias.
Mensalmente, o barco da associação passa reabastecendo as cantinas e recolhendo a produção extrativista, para vender em escala na cidade.
Entre os dias 06 e 10 de abril de 2010, o IPAM e o Serviço Florestal Brasileiro tiveram a oportunidade de conhecer ao vivo esta experiência. É impressionante ver como idéias simples e bem organizadas têm o potencial de mudar para melhor a vida de muita gente. É a revolução silenciosa em curso.

Um comentário:

  1. Ric, adorei!
    Coloca umas fotos pra gente ver como é o Comércio Ribeirinho Solidário.
    Bjs, Ana.

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